segunda-feira, 29 de novembro de 2010

| além da matéria |

“...assim me sinto quando faço amor. Sinto uma mescla de energia com a da outra pessoa, que me faz viajar e fundir-me com o Cosmos. A energia de meu orgasmo é uma pequena parte de mim mesma que se vai e acaba mesclando-se com o universo, e quando acabo rendida, volto ao meu estado humano.”

“É uma viagem sideral de minhas células que ficam dispersas para sempre, prisioneiras de um tumulto energético, no qual não sei gestionar e que me chama permanentemente. Por isso sempre queremos repetir essa experiência. Para compreender-la melhor. Entretanto, eu nunca consigo compreender nada. É uma pequena morte que tento domesticar a cada vez...

... tenho minha própria teoria a respeito do que deve acontecer quando alguém morre. Somos pura energia, e ao morrer, todos nossos átomos se mesclam com o resto do Universo. Nossa energia própria acabará mesclando-se com a energia do Cosmos. Nem Paraíso, nem Inferno. Somos uma unidade do Cosmos, ou simplesmente o Cosmos inteiro.”

(Trechos de Diario de una ninfómana de Valérie Tasso)




Cada um escolhe seus caminhos para transcender a matéria. Dos pensamentos, mantras, meditações às opções químicas ou físicas, naturais, entorpecentes ou não. Essa busca pelo além é parte constante da nossa existência. Romper com os limites exige concentração, esforço e nos enriquece com as experiências do novo.


A morte e o orgasmo são, para mim, belos exemplos naturais do rompimento com os limites. Nós somos mais que carne e ossos.
A carne sente em si o choque mais profundo com esse rompimento vicioso. Nunca morri, nem cheguei perto disso. Também não penso em provocar essa situação... seguramente não teria chance de voltar atrás ou experimentar tudo outra vez, mas percebo no orgasmo e no meu olhar para a existência que o que está além desse limite da matéria é sublime, desconcertante e não merece o limite das nomeclaturas padrões.


"... compreendi que as pessoas tem a necessidade de colocar nome nas coisas, de simplificar-las com palavras, pensando assim, equivocadamente, que as podem compreender. Em, em troca, me propuz a comunicar cada vez menos com as palavras, e mais com o corpo."


Sentir, esse tem sido meu verbo padrão. Sentir com a pele e com a carne o que está no nosso limite material e sentir com nossa essência pura o que transcende tudo isso que nos ensinaram a nomear.




 

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

| semente e tempestade |

Adoro Neruda. Cheguei a falar algumas vezes que a alma do meu homem ideal deveria ser como a dele, apaixonada, entregue e descobri em Clarice Lispector um grande aspecto meu, profunda, intensa, dolorosamente verdadeira. São antagônicos e, curiosamente, se completam em mim.

Neruda colore meu mundo romântico e ilusório de vermelho paixão enquanto Clarice me mostra toda a realidade da dor necessária e o vermelho se torna sangue.



Sempre fiz questão das dores, do amargo. Sofrer por amor foi sempre a minha mais apaixonada experiência, é mais intenso, é mais profundo e mais perturbador que a própria paixão. Ela dói, enraíza, mostra o quanto o chão pode ser duro quando se cai das nuvens. Eu amo as nuvens, mas elas são doces demais para uma vida inteira... nuvens interessantes se chocam, provocam raios, trovões, furacões. Eu preciso desses turbilhões. Das tempestades.

E transito nas minhas estações com todo o respeito por cada uma... saio do amor tradicional, suave e plácido das primaveras e encontro-me em busca do calor, do absurdo, da paixão intensa, do verão tempestuoso e suas chuvas torrenciais... são minhas estações nerúdicas.
Isso definha e eu seco, me esgoto em tons pasteis exautos... meu outono começa a pedir por solidão, por mim, por centro. No pico da solidão e do vazio eu percebo que eu sou eu, mas não sei ser sempre sozinha e ainda que eu goste dos meus tons pastéis de outono o inverno me mostra que pode ser dolorozamente frio. Então eu vivo minhas estações lispectorianas com toda a sua intensidade.

Chega a hora de aquietar e deixar a neve derreter, molhar a terra das novas flores. E elas chegam na sua hora... na nova primavera, no novo ciclo.

Incrivelmente eu me descubro entre dois personagens... hora estou fora, sou de Neruda, a tempestade. Hora estou dentro e sou Clarice, semente.