terça-feira, 26 de julho de 2011

| entre narciso e ophelia |

"...se teu rio calmo se vê no reflexo dos meus olhos de narciso,
em mim tu te mergulhas,
em ti eu me afogo."

E ao afogar é possível ser Narciso e experimentar a morte em gozo profundo ou Ophelia em sua desilusão afogada em dor.
Escolho o afogar diário. 
Seja em gozo ou dor, viver às margens de mergulhos superficiais é como só afundar até os joelhos nas águas da existência. O corpo inteiro pede pela experiência do toque com a água, não só os pés, não só as mãos, não só o rosto.
É ela quem envolve completamente, que chega a cada centímetro escondido, esquecido, disfarçado. E provoca as sensações, estimula as entranhas, renova, revigora... revela.
Ainda em gozo, Narciso se delicia com seu próprio envolvimento. Ainda em dor, Ophelia se liberta e se acalma na leveza do esquecimento.
Afogar-se é deixar-se ir. Aprofundar no íntimo, no que cada bolha de oxigênio restante pode oferecer. É a mais pura intensidade... a verdadeira descoberta do eu/ego.
É estar só, consigo, percebendo-se como indivíduo e único. É saber-se não só como reflexo, mas como gozo, como dor. É descobrir-se por completo ainda que faltem os pedaços.
Afogar-se em si mesmo e viver o gozo e a dor, aceitando que cada detalhe revelado pela água não é nada mais que sua verdade íntima. E não só seu reflexo, seu galho de salgueiro ainda no lugar.


Merecidamente, mais uma vez, Danae de Klimt. Afogando-se em gozo ou dor?

Semente em plena tempestade hoje.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

| de carne a pedra |

Sazonalmente, como todas aquelas estações nerúdicas e lispectorianas, pedras robustas tomam o lugar de artérias, ventrículos e átrios. O coração definitivamente resolve parar... como que cansado, como que exausto.
A culpa é dele mesmo?
Que resolve querer sentir além da própria capacidade diária e se sufoca no próprio gozo?
Ou ele decide querer e esperar por uma batida tão forte capaz de romper com qualquer resquício de matéria extremamente sólida que ainda o limite?
Das opções, não existe uma menos fatal e utópica. Ainda que desejada em excesso.  
Escolher, principalmente para quem vive de avaliar prós e contras, pode ser ainda pior que a própria dor da pedra parada, calada no peito.
E essa caminhada dúbia continua entre cada passo sem rumo. Entre o querer, o poder e o esperar.
Como se cada dia dependesse de uma verdadeira explosão de intensidade. Ainda que os passos dos dias lispectorianos calados e exaustos caminhem em implosões intensas e condensantes.
Eu: estado semente à flor da pele... em plena metamorfose e refletindo sobre um pequeno trecho de música que ouvi no fim de semana.


"... pra quem não sabe amar, fica esperando alguém que caiba no seu sonho."
Narciso e sua metamorfose da genialidade de Dalí. 
E nós, em nossa significância relativa... somos reflexos de seu mito/ego? Esperando a imagem mais perfeita no espelho para, nela, morrer afogado, ainda que em plena satisfação?

Sementes questionam... tempestades atropelam.

terça-feira, 19 de julho de 2011

| do íntimo |

É pesado carregar uma máscara que não se quer, que não se sustenta, que não se é. Das opções que temos levar os fatos com transparência ainda parece ser mais impraticável. Mas a pergunta que não me calou hoje foi... "existe um caminho do meio?" Eu posso ser transparente sem estar completamente despida de minhas roupas? Eu posso estampar no rosto o que sou sem precisar escrever um cartaz com todas as letras e carregar no peito?

Hoje sou só perguntas a respeito do equilíbrio entre o que se sente e o que se pode mostrar de todo esse sentimento. O sentir é algo que, velado, perde qualquer significância. Eu sinto, isso é um fato. Mas, se sinto isolada numa torre, eu sou uma ilha sem acesso, deserta, inútil. Cai no vazio, cai no esquecimento.

Refleti hoje sobre a máscara do não sentimento. Da não expressão de qualquer coisa que possa colocar nas mãos do outro uma gota de certeza a respeito do que sentimos. Por que isso? Pra que isso?
O prazer da conquista, do descobrimento e da entrega não se perde quando ambas as partes sabem de suas disposições para isso. Não se investe ou acredita em algo em vão... mas também não se entrega por inteiro e por completo uma vida nas mãos do outro.

É simples, porém, consideravelmente utópico.


| do meu puro silêncio |

A ausência das palavras nem sempre indica silêncio.
Enquanto aqui eu reinei sem expressões, o mundo pareceu me atropelar com idéias, projetos, amores, conclusões e desapegos. 

Mas hoje a reflexão é breve...

Até onde o sentir é verdade e a partir de onde começa a ser escolha?

Existe uma linha tênue que separa o sentimento puro e simples da 'obrigação' em sentir.
Eu, tu, eles... nós amamos por quê?
É uma ordem externa ou uma ocorrência sem direcionamento, como um vulcão que resolve explodir?

O amor passa por nós ou é escolhido por nós?
O desejo passa por nós ou é só uma escolha?
Querer bem é escolha ou acontece?

Se eu posso escolher, eu tenho, nas mãos, o meu destino.
É simples... hoje eu quero, amanhã não.
Se não cabe a mim determinar, tudo se confunde entre um real e um ideal.
Isso não é simples... hoje eu não quero, amanhã eu nunca sei.