quarta-feira, 13 de outubro de 2010

| la voz a ti debida |

de Pedro Salinas.



"Ayer te besé en los labios.
Te besé en los labios.
Densos, rojos.

Fue un beso tan corto
que duró más que un relámpago,
que un milagro, más.

El tiempo después de dártelo
no lo quise para nada ya,
para nada lo había querido antes.

Se empezó,
se acabó en él.

Hoy estoy besando un beso;
estoy solo con mis labios.
Los pongo no en tu boca, no, ya no
—¿adónde se me ha escapado?—.
Los pongo en el beso que te di ayer,
en las bocas juntas del beso que se besaron.

Y dura este beso más que el silencio, que la luz.
Porque ya no es una carne ni una boca lo que beso,
que se escapa, que me huye. No.

Te estoy besando más lejos."


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

| sinestesia |

Do grego συναισθησία, συν- (syn-) "união" ou "junção" e -αισθησία (-esthesia) "sensação".


Seres sinestésicos têm uma necessidade desconfortante de sentir.

Eu me descobri irremediavelmente sinestésica e viciada nas experiências da matéria.
Da dor ao prazer, do som ao silêncio, tudo carrega um significado que transcende os limites de sinapses e impulsos elétricos. É cheio de mistério e indescrição.

A reação ao sentir é o caos concentrado.

A matéria, a carne, é o templo das sensações e merece adoração. Se há existência pós matéria, acredito que merecemos desfrutar de cada gota de estímulo que só a matéria permite sentir. É ela quem vai registrar na nossa essência a naturalidade do sentir em silêncio, do instinto, da nossa origem primitiva esquecida.

E eu falo da simplicidade da rotina e não da sexualidade que aprendemos a limitar e tolher por simples convenção social.
Eu falo da beleza de sentir a própria pele pela manhã, ao acordar, e como ela se transforma no decorrer do dia. É sentir o aroma da chuva antes que ela caia e degustar lenta e verdadeiramente uma fruta, um chocolate ou um beijo. É aquecer as mãos no fogo e perceber o quão reconfortante isso chega a ser para todo o corpo. É andar descalço e sentir as texturas do solo. Ouvir o silêncio.
  
Essa adoração é permitir a ausência das palavras e das convenções e voltar-se para o sentido único das coisas. É romper com paradigmas e permitir que cada centímetro do corpo seja capaz de reagir à sua forma a cada estímulo externo.

É romper com o medo. Romper com a crença de corpo como matéria pecaminosa e desprovida de divindade. O divino está no natural, na nossa origem primitiva sensorial.

Eu me descobri irremediavelmente, viciada, dedicada e apaixonadamente sinestésica. Abro mão das palavras e das normas quando me permitem acessos à abstração divina do sentir.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

| do limite à comunhão |

"Hoy yo tengo ganas de comerme el mundo con las manos, la lengua, la saliva y los dientes. Lamer la belleza de las cosas, degustar el color de cada momento, sorber entre mis labios el gusto de la vida. Como uno que come a su fruto predilecto... lo come con todo el cuerpo entregue. Lo disfruta a cada momento, a cada zumo, a cada semilla, a cada trozo de sabor que le perfuma el halito en el silencio que transforma en divino el saborear."

ana marques
"Hoje eu tenho vontade de comer o mundo com as mãos, a língua, a saliva e os dentes. Lamber a beleza das coisas, degustar a cor de cada momento, sorver entre meus lábios o gosto da vida. Como quem come sua fruta predileta... a come com todo o corpo entregue. A desfruta a cada momento, a cada sumo, a cada semente, a cada pedaço de sabor que lhe perfuma o hálito no silêncio que transforma em divino o saborear."

As ganas de comerme el mundo vêm de toda essa vontade de ser mais que pele, mais que matéria, essa ânsia por ser parte do todo, comungar com o todo.
São respingos das pequenas coisas do mundo, de um Mediterrâneo de uma cor tão profunda e intensa, de um frio a graus negativos, um sol escaldante ante a àgua gelada de uma cachoeira.
São respingos da energia que move o mundo, dessa delicadeza transbordante que é a vida e seus desdobramentos.

Comerme el mundo é a admiração pelo ciclo natural, de entrega, de descobrir-se como parte e aceitar-se como detalhe de algo muito maior e mais poderoso que a própria vida e a morte. É deliciar-se com cada detalhe de luz, sombra, calor, frio, vida e morte que a existência oferece.

Comeria o mundo com as mãos e teria rosto e colo lambuzados com o sumo de nossa própria essência. Me misturaria e seria mais que alguém que o tem nas mãos, seria parte da sua existência como um todo que se move coletivamente e não um indivíduo tentando se afirmar em meio ao caos soberano.

Eu (como humanidade) faço parte do todo, como uma pequena pedra no alicerce de uma grande obra, insignificante, porém paradoxalmente indispensável para o equilíbrio.


| lambendo detalhes |

Descobri a minha língua e toda a sua potencialidade.

Da expressão falada ela caminhou pro que eu chamo de degustação transcendente.
O que me provoca desejo ou admiração me estimula um instinto primário sem qualquer explicação... 

...eu lamberia o que me encanta os olhos.

Sim, quando vejo e os olhos são cativados, é a língua quem pede pelo toque, já úmida de ansiedade por degustar cada curva, sabor, espaço e textura.

Lamber é como abraço verdadeiro, não são as pontas dos dedos que tocam e tampouco é a ponta da língua que degusta. Lamber se lambe com o corpo inteiro, com papilas, a língua molhada, os dentes e lábios. É assim que se lambe... é assim que se degusta. Entregando-se e permitindo que as sensações dominem qualquer movimento racional.

Foi assim que quis lamber, saborear, e fundir-me com as obras de Gaudí em Barcelona. 
E passei pelo mesmo desejo em tantos momentos sublimes como na Pinacoteca de São Paulo, na exposição de Dalí em Belo Horizonte, no pôr do sol em Salvador, no silêncio caudaloso de Milho Verde.

É assim que eu gosto de estar quando tenho minha fruta preferida nas mãos, ou quando o dia amanhece ligeiramente frio e nublado com finas tiras de luz caindo do céu, quando passo a tarde na cozinha conversando amenidades com a família, quando tenho ao meu lado alguém que eu queira com corpo e alma.

EU OPTEI POR LAMBER A VIDA.
 
 
"E lamberia cada centímetro da sua pele, da sua presença e do seu beijo."